Escrever. A arte de transformar
palavras em histórias, transformar frases em sensações e sentimentos. Para quem
o faz com amor, escrever é libertador. Mas, na maioria das vezes, apenas
escrever não é o bastante. Na maioria das vezes, o artista não se contenta em
produzir sua arte para si, ele quer compartilhar, dividir com o mundo as
maravilhas que sentiu e criou. Pode parecer simples e fácil (na verdade, eu
acho que nem parece simples nem fácil, mas há quem pense assim), mas dividir
sua arte com outras pessoas não é tão fácil assim. E muitos escritores ainda enxergam
apenas o caminho tradicional para levar seus escritos até o mundo: a publicação
através de editoras. No entanto, conseguir ter um original aprovado por uma
editora poderia ser o 13º trabalho de Héracles, sem fazer feio frente aos
outros 12. Ter seu original lido já se torna algo extremamente difícil, fazer
um editor acreditar no potencial mercadológico da sua obra chega a parecer
impossível para o escritor iniciante, sem expressão, sem público formado.
Mas os escritores querem ser
publicados, essa vontade pungente é tamanha que revira suas entranhas e volve
seu cérebro, causa crises de ansiedade, depressão e as mais variadas doenças do
corpo e da mente. É aí, nessa carência do escritor desconhecido, que entra o
tema de hoje: As Antologias.
Antologias literárias são nada mais
que coletâneas de textos, que podem ser contos, crônicas, ou poemas. Aqui,
trataremos especificamente as antologias onde autores são selecionados para
comporem obras compiladas por editoras. Resumindo, funciona da seguinte
maneira: Editora X anuncia que estão abertas as inscrições para a antologia Y, cujo
tema dos contos deve ser W. Os autores devem, dentro do prazo estabelecido,
escrever um conto, de acordo com as especificações exigidas por edital, e
inscrevê-los na seleção. Teoricamente, a Editora X lê todos os trabalhos e
escolhe aqueles que julga serem os melhores. Então, os textos devem passar por
todo o processo editoral cujo resultado será um livro publicado com aqueles
textos.
Para o autor, é um ótimo negócio,
não? É bem mais fácil ser selecionado junto com outros autores em uma coletânea
do que convencer uma editora a trabalhar em um livro só seu, não é verdade? Fazendo
parte da antologia, ele terá a visibilidade que sonha, e, agradando o público,
suas chances de ter seu livro aceito por uma editora, quem sabe a mesma da
antologia, que já o conhece, é muito maior, é ou não é?
É… Mais ou menos, mais ou menos.
Na prática, a coisa não é bem
assim. Sem jamais generalizar, mas afirmando que é o que acontece na maioria
esmagadora dos casos, o sonho não é tão colorido como pode parecer. Na maioria
das coletâneas, o problema começa no financiamento do projeto. A editora, quase
sempre de pequeno ou médio porte, ou uma gráfica fuleira travestida de editora,
costuma exigir que os autores financiem a edição do projeto, seja em pagamento
direto, seja na compra de um número determinado de exemplares. Chamam de
parceria, mas querem enganar a quem?
Num exemplo fictício (mas que
pode nem ser tão fictício assim), você é aprovado para participar da antologia,
com um texto que não pode ultrapassar 8.000 caracteres (o que dá pouquíssimas
páginas), mas, para participar de fato, é obrigado a adquirir 10 exemplares do
livro a preço de capa (isso mesmo, sem desconto, e ainda paga o frete).
Qual
o problema disso? Alguém poderia perguntar. Se o autor concordou, não há nada de errado, é uma ajuda mútua, uma
parceria. Pedindo perdão antecipado pelas palavras, parceria é o caralho,
porra nenhuma. Isso é pimenta no rabo dos outros, mesmo!
Deixe eu me explicar melhor. Não
há ajuda mútua, há apenas uma editora de meia tigela (salvo raras exceções)
ganhando dinheiro à custa da ingenuidade de um artista. Suponhamos que a
antologia do exemplo reuniu 20 autores. Cada um deles é obrigado a comprar 10
exemplares por 35 reais cada. 20 X 10 X 35. 7000 reais. Suponhamos, ainda, que,
incluindo os 200 exemplares comprados coercitivamente pelos autores, a editora
(nem sei mais se posso chamar essa empresa de editora, mas vamos lá… a editora
imprime uma tiragem de 400 exemplares (como sou otimista). Esse livro, que
dificilmente passará das 150 ou 200 páginas, terá um custo de impressão, com
uma qualidade digna das grandes editoras (o que nem sempre é o caso), que
jamais passará (isso jogando muito por cima) de R$12s cada. Bem, aí se foram R$4.800.
Dos 7000, ainda sobraram 2200. Essa quantia cobre com folga os serviços de
diagramação, revisão e capa, dentro do que uma editora consegue negociar e
considerando a qualidade da maioria dos trabalhos do tipo. Acontece que muitas
dessas editoras não contratam um revisor, algumas fazem uma diagramação sem
vergonha no MS Word, pedem a capa para o sobrinho que manja de photoshop, utilizando imagens que “baixou
no google”, e é isso aí. No fim, todo o projeto foi financiado pelos autores e
ainda sobrou um bom trocado para a editora. E, percebam, até esse ponto, nenhum
exemplar foi vendido além daqueles comprados pelos próprios autores.
Com seu lucro garantido, a
editora não vê necessidade de divulgar e distribuir o livro. Vamos colocar no site e esperar que esses
autores vendam. Mas os autores não vão vender, porque não têm público,
lembram? Por isso procuraram a publicação por uma editora. Dos 10 livros que já
compraram, muitos vão amargar esse peso em seu guarda roupa. Os mais sortudos
ou populares, venderão entre seus parentes e amigos, talvez consigam mais 5 a
10 vendas além dos 10, todas para amigos e familiares. Pessoas que compram a
obra por apreço pela pessoa, e não pela obra. Que lerão apenas o conto do autor
que lhe vendeu, que não vão divulgar, não vão resenhar a obra, não vão indicar
aos seus amigos e nem lê-la no metrô para que outras pessoas vejam.
Sobre os direitos autorais dos
exemplares vendidos, o autor nem sonhará com eles.
Depois de um ano, o autor que
despendeu seu tempo, seu dinheiro e sua esperança no projeto, olhará para a
própria estante e verá aqueles exemplares lá, um ao lado do outro, formando
grande retângulo entres seus livros, um tijolo de fracasso e decepção, e
lamentará por todo o tempo perdido. Pesquisará sobre o livro na internet, e só
encontrará postagens de outros autores da antologia, datadas de, no mínimo, 8 meses
atrás, quando ainda havia esperança. A editora continuará lançando novas
antologias e enganando novos ingênuos artistas. É um negócio da China, risco
zero e lucro garantido.
Parece ruim, mas esta é a minha
visão super otimista das coisas.
Recentemente, uma editora
desconhecida publicou um edital para uma nova antologia. Nesse caso, os autores
deveriam comprar apenas 3 exemplares da obra, mas por 150 reais (não se assuste,
você leu certo). Mas, advinha só, os direitos autorais seriam pagos com esses
mesmos 3 exemplares. Isso mesmo! O autor ia pagar a si mesmo, e, não importa
quantos livros mais a editora vendesse, ele não teria direito a mais nenhum
centavo. Parece totalmente excelente, não? E esse não é um caso isolado, esse
tipo trabalho acontece todo o tempo, o ano todo. Não faz muito tempo que ocorreu uma grande polêmica com uma antologia envolvendo uma editora e várias notas de 300 reais. Não estou aqui pra falar disso, mas pesquise por aí e você vai descobrir.
Após ler este longo texto, alguém
pode dizer que é muito tendencioso vindo de um autor fracassado, o qual nenhuma
editora vai publicar e nem figura em antologias conhecidas. Bem, deve ser
verdade. Mas o que está escrito nos parágrafos anteriores também é verdade. Já
me inscrevi em antologias. A primeira que tive a chance de fazer parte foi
organizada pela finada (já foi tarde) Editora Literata. Fui selecionado com
dois contos e fique felicíssimo. Mais pra frente, descobri que todos os
inscritos foram selecionados, e ainda foram poucos. Ainda assim, permaneci no
projeto, o qual eu teria que pagar para participar, até que recebi a boneca do
livro, que disseram estar já revisada, e aquilo foi tão traumatizante, um show
de horrores, textos escritos com tamanha inabilidade, com afrontas tão
colossais à língua portuguesa que coloquei meu rabinho entre as pernas, peguei
meus contos e saí de fininho.
Contudo, eu posso apenas ser
muito invejoso e amargurado. Tire suas próprias conclusões e comente o que
quiser. Xingamentos e ofensas serão aceitos com gosto.
Beijos.
No próximo texto, falaremos sobre
meu primeiro livro publicado por uma editora, e como isso foi uma grande
mentira.