Numa cidade boêmia como Nessuno, tem-se a impressão de que a
noite existe para abrigar os fracassos, os pecados e os prazeres mundanos.
Esvaziar um copo de bebida quente com a lua dominando o céu torna-se o sentido
da vida.
Vez ou outra, um novo membro dessa sociedade bate à porta e se senta ao balcão para ouvir as histórias que se contam no lugar. Se este for o caso, seja bem-vindo e aproveite sua estadia.
Matheus
Mundim, apesar de muito jovem e de carreira ainda curta, tem um estilo de
escrita muito bem definido. Suas histórias trazem o clima policial noir,
cidades sujas e personagens de moral questionável. Não há mocinhos e tudo é
regado a muito álcool e ódio.
Antes da escrita, o autor se inspira com a dancinha da criatividade.
Seu romance de
estreia, Liberte-se (leia
online AQUI) já trazia esses elementos muito bem dosados. Em Um Perverso
Tom de Vinho, no entanto, Matheus se mostra mais maduro como escritor. A
narração em terceira pessoa, diferente de Liberte-se, permite uma visão mais
ampla da história e maior liberdade narrativa.
O livro se
inicia num prólogo passado em um pequeno vilarejo português na Holanda, em
1945, e por si só já é um conto de horror estupendo, mas que é de grande
importância para acontecimentos que encontramos no meio da história, e
definitivo para o clímax.
"Mais uma criança fora arrancada do quarto escuro, fétido e cheio de roedores naquela noite. Nícolas não fazia ideia acerca do tempo em que estava preso; às vezes pareciam algumas semanas, às vezes a eternidade. Sua única certeza é de que chegara ali há mais tempo que alguns outros, já retirados em outras noites e, que por algum motivo, ainda continuava lá. Não compreendia a forma como elas eram escolhidas. Talvez nem mesmo o monstro que os prendera compreendesse. Talvez nem o próprio Diabo."
No primeiro
capítulo, voltamos a 1892, para contextualizar a cidade de Nessuno, onde se
desenrola toda a trama. Aqui, Matheus extrapola o gênero policial,
característico de sua obra, e traz dados históricos de forma bastante hábil,
mantendo o clima pesado e sombrio que já é uma marca registrada de sua escrita.
A partir do
segundo capítulo, entramos na vida do detetive José Fontes e seu parceiro
Silas. Mas nosso protagonista está longe de ser um herói. Como a maioria dos
personagens criados pelo autor, a dupla de detetives é cheia de vícios e
pecados, trafegando em um submundo sujo, regado a álcool, sexo e violência.
Há um paradoxo entre a vitória e a derrota quando as luzes do sol pós meio-dia te acordam numa espelunca; sua cara encostada em uma mesa de madeira suja, duas garrafas de conhaque ao lado, o estômago fervendo e o gosto do vômito em sua língua. A derrota. Por outro lado, se acordou, é porque está vivo. Então, essa é a vitória.
A trama se
centra no sumiço de várias crianças na cidade de Nessuno. Apesar de não ser um
exemplo de policial, José Fontes se sente incomodado com o fato, e sente a
necessidade de investigar o ocorrido. Daí a trama se desenrola, carregada de
suspense, trazendo uma coleção de personagens peculiares: mafiosos,
prostitutas, travestis, caipiras, índios e crianças, além de um velho conhecido
nosso, aquele do prólogo.
Os fatos se
desenrolam em ascendente, com revelações em doses homeopáticas, muita tensão e
eventos trágicos, rumo a um clímax emocionante.
Um Perverso
Tom de Vinho é um romance policial original, escrito com personalidade e
bastante denso, que traz a experiência do autor, vindo de uma cidade pequena no
interior de Minas Gerais, amplificadas por seu olhar pessimista e distorcido.
Uma ótima pedida para quem gosta de um bom suspense e está cansado de mais do
mesmo.
Nesta foto, vemos um grande autor de romances policiais e, ao seu lado, o Raphael Montes. |
Leia a resenha
de Liberte-se AQUI.
Confira a entrevista com o autor:
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