quarta-feira, 14 de junho de 2017

[RESENHA] Um Perverso Tom de Vinho - Matheus Mundim

Numa cidade boêmia como Nessuno, tem-se a impressão de que a noite existe para abrigar os fracassos, os pecados e os prazeres mundanos. Esvaziar um copo de bebida quente com a lua dominando o céu torna-se o sentido da vida.

Vez ou outra, um novo membro dessa sociedade bate à porta e se senta ao balcão para ouvir as histórias que se contam no lugar. Se este for o caso, seja bem-vindo e aproveite sua estadia.

Matheus Mundim, apesar de muito jovem e de carreira ainda curta, tem um estilo de escrita muito bem definido. Suas histórias trazem o clima policial noir, cidades sujas e personagens de moral questionável. Não há mocinhos e tudo é regado a muito álcool e ódio.




Antes da escrita, o autor se inspira com a dancinha da criatividade.


Seu romance de estreia, Liberte-se (leia online AQUI) já trazia esses elementos muito bem dosados. Em Um Perverso Tom de Vinho, no entanto, Matheus se mostra mais maduro como escritor. A narração em terceira pessoa, diferente de Liberte-se, permite uma visão mais ampla da história e maior liberdade narrativa.

O livro se inicia num prólogo passado em um pequeno vilarejo português na Holanda, em 1945, e por si só já é um conto de horror estupendo, mas que é de grande importância para acontecimentos que encontramos no meio da história, e definitivo para o clímax.

"Mais uma criança fora arrancada do quarto escuro, fétido e cheio de roedores naquela noite. Nícolas não fazia ideia acerca do tempo em que estava preso; às vezes pareciam algumas semanas, às vezes a eternidade. Sua única certeza é de que chegara ali há mais tempo que alguns outros, já retirados em outras noites e, que por algum motivo, ainda continuava lá.  Não compreendia a forma como elas eram escolhidas. Talvez nem mesmo o monstro que os prendera compreendesse. Talvez nem o próprio Diabo."

No primeiro capítulo, voltamos a 1892, para contextualizar a cidade de Nessuno, onde se desenrola toda a trama. Aqui, Matheus extrapola o gênero policial, característico de sua obra, e traz dados históricos de forma bastante hábil, mantendo o clima pesado e sombrio que já é uma marca registrada de sua escrita.

A partir do segundo capítulo, entramos na vida do detetive José Fontes e seu parceiro Silas. Mas nosso protagonista está longe de ser um herói. Como a maioria dos personagens criados pelo autor, a dupla de detetives é cheia de vícios e pecados, trafegando em um submundo sujo, regado a álcool, sexo e violência.

Há um paradoxo entre a vitória e a derrota quando as luzes do sol pós meio-dia te acordam numa espelunca; sua cara encostada em uma mesa de madeira suja, duas garrafas de conhaque ao lado, o estômago fervendo e o gosto do vômito em sua língua. A derrota. Por outro lado, se acordou, é porque está vivo. Então, essa é a vitória.

A trama se centra no sumiço de várias crianças na cidade de Nessuno. Apesar de não ser um exemplo de policial, José Fontes se sente incomodado com o fato, e sente a necessidade de investigar o ocorrido. Daí a trama se desenrola, carregada de suspense, trazendo uma coleção de personagens peculiares: mafiosos, prostitutas, travestis, caipiras, índios e crianças, além de um velho conhecido nosso, aquele do prólogo.

Os fatos se desenrolam em ascendente, com revelações em doses homeopáticas, muita tensão e eventos trágicos, rumo a um clímax emocionante.



Um Perverso Tom de Vinho é um romance policial original, escrito com personalidade e bastante denso, que traz a experiência do autor, vindo de uma cidade pequena no interior de Minas Gerais, amplificadas por seu olhar pessimista e distorcido. Uma ótima pedida para quem gosta de um bom suspense e está cansado de mais do mesmo.

Nesta foto, vemos um grande autor de romances policiais e, ao seu lado, o Raphael Montes.


Leia a resenha de Liberte-se AQUI.


Confira a entrevista com o autor:

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