sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Antologias: Sonho ou Pesadelo?

Escrever. A arte de transformar palavras em histórias, transformar frases em sensações e sentimentos. Para quem o faz com amor, escrever é libertador. Mas, na maioria das vezes, apenas escrever não é o bastante. Na maioria das vezes, o artista não se contenta em produzir sua arte para si, ele quer compartilhar, dividir com o mundo as maravilhas que sentiu e criou. Pode parecer simples e fácil (na verdade, eu acho que nem parece simples nem fácil, mas há quem pense assim), mas dividir sua arte com outras pessoas não é tão fácil assim. E muitos escritores ainda enxergam apenas o caminho tradicional para levar seus escritos até o mundo: a publicação através de editoras. No entanto, conseguir ter um original aprovado por uma editora poderia ser o 13º trabalho de Héracles, sem fazer feio frente aos outros 12. Ter seu original lido já se torna algo extremamente difícil, fazer um editor acreditar no potencial mercadológico da sua obra chega a parecer impossível para o escritor iniciante, sem expressão, sem público formado.

Mas os escritores querem ser publicados, essa vontade pungente é tamanha que revira suas entranhas e volve seu cérebro, causa crises de ansiedade, depressão e as mais variadas doenças do corpo e da mente. É aí, nessa carência do escritor desconhecido, que entra o tema de hoje: As Antologias.



Antologias literárias são nada mais que coletâneas de textos, que podem ser contos, crônicas, ou poemas. Aqui, trataremos especificamente as antologias onde autores são selecionados para comporem obras compiladas por editoras. Resumindo, funciona da seguinte maneira: Editora X anuncia que estão abertas as inscrições para a antologia Y, cujo tema dos contos deve ser W. Os autores devem, dentro do prazo estabelecido, escrever um conto, de acordo com as especificações exigidas por edital, e inscrevê-los na seleção. Teoricamente, a Editora X lê todos os trabalhos e escolhe aqueles que julga serem os melhores. Então, os textos devem passar por todo o processo editoral cujo resultado será um livro publicado com aqueles textos.

Para o autor, é um ótimo negócio, não? É bem mais fácil ser selecionado junto com outros autores em uma coletânea do que convencer uma editora a trabalhar em um livro só seu, não é verdade? Fazendo parte da antologia, ele terá a visibilidade que sonha, e, agradando o público, suas chances de ter seu livro aceito por uma editora, quem sabe a mesma da antologia, que já o conhece, é muito maior, é ou não é?

É… Mais ou menos, mais ou menos.


Na prática, a coisa não é bem assim. Sem jamais generalizar, mas afirmando que é o que acontece na maioria esmagadora dos casos, o sonho não é tão colorido como pode parecer. Na maioria das coletâneas, o problema começa no financiamento do projeto. A editora, quase sempre de pequeno ou médio porte, ou uma gráfica fuleira travestida de editora, costuma exigir que os autores financiem a edição do projeto, seja em pagamento direto, seja na compra de um número determinado de exemplares. Chamam de parceria, mas querem enganar a quem?

Num exemplo fictício (mas que pode nem ser tão fictício assim), você é aprovado para participar da antologia, com um texto que não pode ultrapassar 8.000 caracteres (o que dá pouquíssimas páginas), mas, para participar de fato, é obrigado a adquirir 10 exemplares do livro a preço de capa (isso mesmo, sem desconto, e ainda paga o frete).

Qual o problema disso? Alguém poderia perguntar. Se o autor concordou, não há nada de errado, é uma ajuda mútua, uma parceria. Pedindo perdão antecipado pelas palavras, parceria é o caralho, porra nenhuma. Isso é pimenta no rabo dos outros, mesmo!


Deixe eu me explicar melhor. Não há ajuda mútua, há apenas uma editora de meia tigela (salvo raras exceções) ganhando dinheiro à custa da ingenuidade de um artista. Suponhamos que a antologia do exemplo reuniu 20 autores. Cada um deles é obrigado a comprar 10 exemplares por 35 reais cada. 20 X 10 X 35. 7000 reais. Suponhamos, ainda, que, incluindo os 200 exemplares comprados coercitivamente pelos autores, a editora (nem sei mais se posso chamar essa empresa de editora, mas vamos lá… a editora imprime uma tiragem de 400 exemplares (como sou otimista). Esse livro, que dificilmente passará das 150 ou 200 páginas, terá um custo de impressão, com uma qualidade digna das grandes editoras (o que nem sempre é o caso), que jamais passará (isso jogando muito por cima) de R$12s cada. Bem, aí se foram R$4.800. Dos 7000, ainda sobraram 2200. Essa quantia cobre com folga os serviços de diagramação, revisão e capa, dentro do que uma editora consegue negociar e considerando a qualidade da maioria dos trabalhos do tipo. Acontece que muitas dessas editoras não contratam um revisor, algumas fazem uma diagramação sem vergonha no MS Word, pedem a capa para o sobrinho que manja de photoshop, utilizando imagens que “baixou no google”, e é isso aí. No fim, todo o projeto foi financiado pelos autores e ainda sobrou um bom trocado para a editora. E, percebam, até esse ponto, nenhum exemplar foi vendido além daqueles comprados pelos próprios autores.

Com seu lucro garantido, a editora não vê necessidade de divulgar e distribuir o livro. Vamos colocar no site e esperar que esses autores vendam. Mas os autores não vão vender, porque não têm público, lembram? Por isso procuraram a publicação por uma editora. Dos 10 livros que já compraram, muitos vão amargar esse peso em seu guarda roupa. Os mais sortudos ou populares, venderão entre seus parentes e amigos, talvez consigam mais 5 a 10 vendas além dos 10, todas para amigos e familiares. Pessoas que compram a obra por apreço pela pessoa, e não pela obra. Que lerão apenas o conto do autor que lhe vendeu, que não vão divulgar, não vão resenhar a obra, não vão indicar aos seus amigos e nem lê-la no metrô para que outras pessoas vejam.

Sobre os direitos autorais dos exemplares vendidos, o autor nem sonhará com eles.

Depois de um ano, o autor que despendeu seu tempo, seu dinheiro e sua esperança no projeto, olhará para a própria estante e verá aqueles exemplares lá, um ao lado do outro, formando grande retângulo entres seus livros, um tijolo de fracasso e decepção, e lamentará por todo o tempo perdido. Pesquisará sobre o livro na internet, e só encontrará postagens de outros autores da antologia, datadas de, no mínimo, 8 meses atrás, quando ainda havia esperança. A editora continuará lançando novas antologias e enganando novos ingênuos artistas. É um negócio da China, risco zero e lucro garantido.

Parece ruim, mas esta é a minha visão super otimista das coisas.

Recentemente, uma editora desconhecida publicou um edital para uma nova antologia. Nesse caso, os autores deveriam comprar apenas 3 exemplares da obra, mas por 150 reais (não se assuste, você leu certo). Mas, advinha só, os direitos autorais seriam pagos com esses mesmos 3 exemplares. Isso mesmo! O autor ia pagar a si mesmo, e, não importa quantos livros mais a editora vendesse, ele não teria direito a mais nenhum centavo. Parece totalmente excelente, não? E esse não é um caso isolado, esse tipo trabalho acontece todo o tempo, o ano todo. Não faz muito tempo que ocorreu uma grande polêmica com uma antologia envolvendo uma editora e várias notas de 300 reais. Não estou aqui pra falar disso, mas pesquise por aí e você vai descobrir.

Após ler este longo texto, alguém pode dizer que é muito tendencioso vindo de um autor fracassado, o qual nenhuma editora vai publicar e nem figura em antologias conhecidas. Bem, deve ser verdade. Mas o que está escrito nos parágrafos anteriores também é verdade. Já me inscrevi em antologias. A primeira que tive a chance de fazer parte foi organizada pela finada (já foi tarde) Editora Literata. Fui selecionado com dois contos e fique felicíssimo. Mais pra frente, descobri que todos os inscritos foram selecionados, e ainda foram poucos. Ainda assim, permaneci no projeto, o qual eu teria que pagar para participar, até que recebi a boneca do livro, que disseram estar já revisada, e aquilo foi tão traumatizante, um show de horrores, textos escritos com tamanha inabilidade, com afrontas tão colossais à língua portuguesa que coloquei meu rabinho entre as pernas, peguei meus contos e saí de fininho.

Contudo, eu posso apenas ser muito invejoso e amargurado. Tire suas próprias conclusões e comente o que quiser. Xingamentos e ofensas serão aceitos com gosto.

Beijos.


No próximo texto, falaremos sobre meu primeiro livro publicado por uma editora, e como isso foi uma grande mentira.

2 comentários:

  1. A Literata deixou um legado terrível em outras editoras, que fazem a mesma coisa ou pior.

    Parece que a solução de qualquer "editora" atualmente é antologia paga, tanto para dar um up no caixa quanto iniciar as atividades.

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  2. Parece brincadeira, mas é verdade. Eu já participei de antologias pagas, nesse modelo. Hoje, já não me interesso mais por isso. Acho vantagem deixar meus contos ou disponíveis no blog ou para venda na Amazon.
    Boa reflexão.
    Abraço!

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