Inauguro aqui uma nova categoria de
postagem no blog. Destino este espaço a filmes que não foram aclamados pela
crítica, nem tampouco pelo público, mas que merecem ser lembrados por sua
peculiriadade. Talvez esse seja o primeiro e único post da categoria, já que o
filme do qual vamos falar hoje é de uma singularidade incomparável.
Lançado no longínquo ano de 1998, o
filme escolhido para essa árdua tarefa é “Cinderela Baiana”, a estréia de Carla
Perez no cinema, e o responsável pela sua aposentadoria na carreira de atriz.
Cinderela Baiana é ousado desde sua
concepção, pois mescla realidade e ficção em uma única obra, onde a
protagonista e a atriz principal se fundem e se confundem na trama.
Logo na sequencia, somos alertados
para a importância da educação, onde o pai de Carlinha menciona que estuda em
uma escola noturna, sacrificando o alimento da própria filha em detrimento da
sagrada educação.
Enquanto o pai trabalha, a meiga
criança de madeixas
douradas acompanha a mãe até a estrada que passa próximo a
sua casa, onde a mulher tapa os buracos no asfalto na esperança de obter alguns
trocados dos caminhoneiros que passam por ali. Nesse momento, vemos a personalidade
iluminada da pequena, que mesmo com fome, e assistindo à mãe se humilhar por
míseros trocados, retira uma alegria milagrosa do âmago de seu ser, e
saracoteia seu corpinho em movimentos rebolatórios cheios de pureza e luz,
anunciando o que ela viria a se tornar no futuro.
Desde o início do filme, percebemos
uma forte tosse na mãe da pequena, o que, no cinema brasileiro, significa que a
morte se aproxima. Após ser humilhada pelas crianças que disputavam com ela os
trocados atirados sobre o pavimento, numa clara crítica ao preconceito contra
os idosos, a sofrida mulher vai a óbito, deixando a pobre Carlinha sozinha com
o Pai.
Quando a família, agora reduzida a
dois membros, parte para a capital baiana, há um salto temporal. Mas não um
salto temporal qualquer. O diretor Conrado Sanchez (dos anteriores: A Menina e o
Estuprador, A Menina e o
Cavalo, e Como Afogar o
Ganso), mostra como é arrojado
e revolucionário, fazendo a montagem de filmes como Pulp Fiction, de Quentin Tarantino, e Amnésia, de Christopher Nolan, parecerem extremamente conservadoras.
Sanchez nos leva no futuro onde o tempo não é o mesmo para cada personagem.
Enquanto para o pai de Carlinha 3 anos se passaram, para a protagonista
percebemos um avanço de pelo menos 10 anos.
Entramos então em uma nova realidade, onde épocas diferentes coexistem e
interagem entre si em um mesmo espaço. É então que somos apresentados a
incrível dupla Bucha e Chico, este último em uma interpretação reveladora de Lázaro
Ramos, que, desde já, mostrava ao que veio. Os dois, assim como Carlinha, são
adolescentes de vinte poucos anos que, apesar de viverem em extrema pobreza na
favela dos alagados, não trabalham e nem têm a intenção de fazê-lo.
Surge uma amizade entre as 3 crianças velhas, que (como diria o locutor
da seção da tarde) formam uma turminha muito irada que vai se meter em muitas
confusões.
A jovem e inocente dançarina cai nos encantos do amante latino de meia idade e
bigodes protuberantes e acaba indo morar com ele. O sucesso da menina é
imediato, e logo está fazendo turnês pela Europa e mostrando seu talento glúteo
por todo o globo. No entanto, sem entender a ferocidade do show bizz, Carlinha
se vê explorada por seu empregador, que chega a marcar dois shows em países
diferentes no mesmo dia, novamente desafiando as dimensões do espaço tempo.
Desiludida com a atitude de Pierre, e finalmente enxergando a maldade do
mundo, Carlinha rompe com seu empregador e decide se dedicar a causas
humanitárias – destaque para
a criança no hospital que é soterrada por
presentes e não consegue nem se mexer de tanta emoção – junto com seus velhos
amigos Chico e Bucha, os quais ela havia vilipendiado depois de alcançar fama e
riqueza.
Cinderela Baiana foi esquecido pela crítica, alvo de deboche pelo público
e desprezado pela academia. Uma enorme injustiça para uma obra tão relevante que
poderia ter revolucionado o cinema com sua originalidade e espontaneidade.
Carla Perez já fazia o que Sacha Baron Cohen fez em Borat há muitos anos, e,
infelizmente, não teve o merecido reconhecimento.
“Vai
passarinho, você, como a criança também tem o direito a liberdade. De que
adiantam essas campanhas demagógicas se estas crianças continuam aqui na
estrada e com fome? Todos os pequeninos merecem proteção, alimentação, amor e
paz.”
Se você ainda não assistiu a essa pérola escondida da sétima arte
brasileira, aproveite assista agora, enquanto está disponível.
Na falta de paciência, assista
apenas a antológica cena final:
Se você conhece algum Clássico Esquecidos da Sétima Arte, indique nos comentários!
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