Neste ano de 2024, voltei a escrever, depois de mais de sete anos sem conseguir terminar um livro. Os motivos desse hiato não são o assunto para este momento. Acontece que esse retorno, marcado por muitos surtos de hiperfoco, foi bastante produtivo. Concluí a escrita de três romances, sendo um inteiramente do zero. Também me aventurei em textos menores, como “A Cadeira da Vingança”, inspirado pelo histórico embate entre Datena e Marçal na eleição municipal de São Paulo; “Alerta de Gatilho”, suscitado por discussões inócuas no ainda mais inócuo Threads; e, no último mês do ano, “Quem Matou a Cisne Branca?”, inspirado em uma lembrança nebulosa da minha infância e que me tomou três dias de escrita surtada.
Essa minha volta à escrita foi acompanhada pelo meu grande amigo e excelente escritor Alec Silva, que acabou revertendo sua aposentadoria precoce dos livros e também produziu bastante. Certamente pensou: “Se até o Samuel tá escrevendo, alguém tem que salvar a literatura moderna.” Acontece que Alec, além de acompanhar minha escrita por meio de conversas e ajudar na edição de parte dos textos, também criou a péssima mania de me enviar todo tipo de edital para seleções e concursos literários, me incentivando a sair da minha zona de conforto e acumular projetos como um doido varrido.
Entre essas seleções, surgiu a segunda edição do Prêmio Amazon de Literatura Jovem. A princípio, descartei a ideia. Não sou familiarizado com o gênero, mesmo tendo escrito “O Menino que Tinha um Demônio”, uma subversão supostamente destinada a um público mais infantil. Eu havia publicado “O Fazedor de Anjos”, uma história pesada, adulta, com muita violência, sexo, palavrões, heresias e também coisas ruins. Como eu sairia disso para uma história juvenil?
Porém, alguns dias depois, em uma manhã de setembro, enquanto levava dois dos meus cães para um passeio antes de sair para o trabalho, esta ideia simplesmente fluiu na minha mente — provavelmente algum coágulo se rompeu no meu cérebro. Assim, no curtíssimo período de três meses, nasceu a história que será (e precisa ser) publicada nos próximos dias, antes que o ano termine.
Foi assim que começou a saga de Gisele. Antes que você acabe acompanha uma adolescente de 14 anos, uma menina negra que acaba de perder a mãe e a irmã mais nova em um acidente de carro. Ela precisa lidar não apenas com o luto, mas também com o alcoolismo e a depressão do pai, provocados pela perda.
Claro que foi um desafio escrever uma protagonista feminina e adolescente. Eu já passei há muito dos trinta, sou um jovem senhor amargo e pessimista, e foi difícil manter um tom adequado ao gênero sem perder a essência sombria que me acompanha. Alec me indicou leituras na faixa etária, e me aproveitei muito de uma história de Pedro Bandeira, que me ajudou a balizar os limites, mas sem deixar de fora alguma malícia e subversão.
Com um toque suave de ficção científica, passando-se em um futuro indefinido, porém muito próximo, Antes que você acabe equilibra o drama do luto, do alcoolismo e do bullying com as aventuras do mundo dos videogames e da tecnologia. Como não podia deixar de ser, Alec Silva, meu maior incentivador nessa empreitada, escreveu um belo prefácio, que reproduzo a seguir. Minha amiga Addie Gouvvea ilustrou a capa com essa arte lindíssima que permite o início da imersão na história antes mesmo de se abrir o livro.
Espero que jovens de todas as idades leiam e se apaixonem pela sensibilidade, determinação e o espírito impetuoso de Gisele.
por Alec Silva
É
o caso de Gisele, protagonista de Antes que Você Acabe, uma novela de
ficção científica que marca sua estreia para o público infantojuvenil. Desde a
primeira página, que já começa com uma tragédia, você vai se simpatizar com uma
jovem guerreira tendo que segurar as pontas. É delicioso demais acompanhá-la em
suas aventuras, entre dois mundos, um mais perigoso que o outro. E você será
cúmplice de cada ato infrator de Gisele — e estará sorrindo.
Nas
páginas a seguir, há uma história de luto. E luta. É piegas dizer isso e
provocar o trocadilho, mas não há forma de dizer isso. Disfarçada de uma
aventura sobre realidade simulada, Samuel nos entrega um drama que dialoga com
as vidas de muitos leitores, crianças, adolescentes e adultos. As duas tramas —
a da garota desperta tendo que lidar com o alcoolismo do pai, as dívidas que se
acumulam, um ambiente escolar que quase ninguém a trata bem e tantos outros
problemas, e a da combatente enfrentando monstros, corridas insanas, desafios
extraídos de jogos e tentando resgatar o que sobrou da mente conturbada do pai —
são gostosas de acompanhar, e cada fim de capítulo te puxa ao seguinte, até
que, ao perceber, você está diante do chefe final. E que final!
Recordo-me
da insegurança de Samuel ao começar o projeto. Foram dias e dias de indicações
de leituras, aconselhamentos e incentivos, e o resultado está aqui, em sua mão,
e só posso desejar que se divirta com Gisele lutando com todas as artimanhas
para salvar quem ama enquanto lida, também, com um mundo cruel, onde outros
jovens não medem esforços em serem babacas, adultos não são tão confiáveis e
gentis e algumas leis podem — e devem —
ser quebradas, em nome do que se acredita.
Antes
que Você Acabe é um
livro que encanta e encontra o leitor. E me sinto orgulhoso de tê-lo visto
nascer. E de ser amigo de um autor tão irreverente, mas com um olhar tão
sensível para certos aspectos da vida — ainda que ele às vezes duvide disso.